Num país que ainda usa mais de 300 mil toneladas de agrotóxicos por ano, cientistas e empresas buscam saídas mais limpas para controlar pragas agrícolas. Em 2022, pesquisadores da Faculdade de Ciências Agronômicas da UNESP, da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e da Embrapa Florestas uniram forças à gigante de celulose Suzano para testar um caminho promissor: soltar milhões de joaninhas Olla v-nigrum em plantações de eucalipto.
A ideia parece simples, usar um predador natural para conter o psilídeo-de-concha (Glycaspis brimblecombei), inseto que suga a seiva e enfraquece as árvores, mas envolve biologia, modelagem climática e logística de larga escala. Dois anos depois, o projeto virou caso de sucesso e oferece lições valiosas sobre sustentabilidade industrial.
As joaninhas Olla v-nigrum medem pouco mais de meio centímetro, mas cada fêmea devora até mil ovos de psilídeo por dia. Ao atacar ovos e ninfas, elas quebram o ciclo da praga antes que o dano se espalhe. Ensaios de campo mostraram que, em talhões tratados, as populações do psilídeo caem rapidamente, mantendo a fotossíntese das árvores e a produtividade da madeira.
Além do apetite voraz, a joaninha tem outro trunfo: adapta-se bem às variações de umidade e temperatura típicas dos estados de São Paulo, Maranhão e Mato Grosso do Sul, onde a Suzano cultiva mais de meio milhão de hectares de eucalipto. Essa plasticidade climática reduz a mortalidade após a soltura e garante o controle biológico mesmo em estações secas prolongadas.
Para transformar um inseto em “insumo agrícola”, foi preciso montar cinco biofábricas que hoje produzem lotes semanais de joaninhas. A rapidez na multiplicação depende de dietas à base de ovos de traça e da manutenção de temperatura a 26 °C, algo que exige controle automatizado.
Os resultados animaram a comunidade acadêmica: artigos em preparação devem detalhar a eficiência comparada a inseticidas sistêmicos e quantificar ganhos em biodiversidade de artrópodes benéficos. Já a Suzano projeta um sexto laboratório em Ribas do Rio Pardo (MS), com capacidade para dobrar a produção até 2026.
A experiência mostra que é viável combinar produtividade florestal com conservação ambiental, meta central das iniciativas de clima da ONU e do novo Plano ABC+ do Ministério da Agricultura.
Do ponto de vista econômico, o modelo quebra o argumento de que práticas sustentáveis custam caro. Ao poupar agrotóxicos e evitar perda de biomassa, a empresa fortalece sua competitividade global e ainda se posiciona bem para mercados exigentes, como o europeu, que remuneram cadeias de suprimento livres de químicos perigosos.
Para o Brasil, líder mundial em celulose de eucalipto, a adoção ampla dessa tecnologia pode cortar milhares de toneladas de ingredientes ativos, reduzir emissões ligadas à produção de pesticidas e gerar empregos qualificados no interior. Tudo isso sem o risco de resistência que costuma surgir quando se confia apenas em moléculas sintéticas.